“Não há bichoca mais sortuda do que eu”, pensava o pequeno inseto embriagado de prazer no topo da árvore mais recheada da floresta. Não seria por menos, a macieira na qual vivia era das mais produtivas. Só nos arredores daquele arbusto era possível avistar mais de 7 maçãs vermelhas saborosíssimas. Fato que o seduzia a atravessar horas de galhos revoltos para adentrar mais um fruto proibido a cada quinzena. Além disso, como “um larva” experiente, sabia que uma vez perfurada, a peça manteria a essência adocicada por algum tempo, mas que a ação do vento e a oxidação natural provocariam uma nova caminhada que se repetia eternamente. E de furúnculo em furúnculo, de abscesso em abscesso, o cabeça-de-prego não notava que sua vida era um completo ciclo insustentável. Uma viciosa jornada sem fim, que sempre encerrava no começo de um novo sonho de perfurar a próxima casca. Só estas minhocas passavam pela sua mentalização unicelular e em todo o larval não havia sequer outro motivo de conversa ou transmissão comunicativa. Até que um dia, com tantas alterações climáticas que vivemos, aquele pequeno ser vivenciou uma transformação em sua vida. Era fim de tarde e o sol se punha na direção contrária da sua localização. O breu parcial era esperado, mas o que ocorreu foi algo sem precedentes. Um tornado surgiu do horizonte com tamanha violência que milhares de folhas e frutas foram arrancadas de suas copas. E junto com elas, milhares de insetos também tombaram suas vidas num estalo. Justamente o que não aconteceu com nosso inseto herói. Sem motivo aparente, a fruta onde era hospedeiro fez também um movimento íngreme durante a turbulência, mas permaneceu conectada por seu caule mais grosso do que o restante. Um caso clássico darwiniano, que seleciona naturalmente o destino das espécies e, neste caso, do balangandã que resistiu bravamente. Mas apesar do estardalhaço a quase ameba andante não se deu conta do ocorrido e permaneceu ali, como se nada houvesse acontecido, pelos dias habitualmente transcorridos. Na manhã que acordou faminta, lentamente recolheu suas patas e saiu sem uma mordida sequer na carnosa alaranjada, partindo pela penca em busca de outro alvo. Levantou a cabeça esverdeada e notou a diferença. Uma imagem tenebrosa de funículos esgarçados, trilhas desnudas e ausência total de tons quentes, que eram o sinal típico de comida no caminho. Sua visão entrou em colapso; “onde está ‘tudo’?”. Pense você, em se encontrar na mesma situação possuindo uma capacidade bizonha de reflexão. Como reagir? Como resolver o complexo problema que aflige qualquer ser que se depara com a ignorância e o instinto de preservação? Olhou para trás com desdém, por mais que o futuro fosse incerto não acreditava ser uma boa decisão voltar para o habitáculo, literalmente passado. Se por toda a vida havia sempre uma dentada por vir, não seria hoje que iria amargar a podridão. E assim, decidiu com valentia seguir em frente pela estrada mais dura e magicamente sombria que iria atravessar. Andava vagarosamente, empunhando do rosto um ar de orgulho… “a próxima maça está perto…”, tranquilizava-se inconscientemente sem notar que iniciava uma descida oblíqua em direção ao solo pelo tronco principal. Assim foi, ou melhor, foram precisos 2 dias de caminhada, com algumas paradas duvidosas no percurso, para que encontrasse definitivamente o terreno cheio de folhas secas. A verdade é que seu instinto o levou para a base do problema, lugar onde ainda era possível encontrar algum sulco entre as raízes. E foi ali mesmo que abocanhou uma raigota suculenta (naquela situação, qualquer coisa era suculenta), que apesar de não ser macia como as antigas refeições, ainda fez brotar um leve jarro de seiva doce. A sensação de vigor foi imediata e o bichinho ficou tão eufórico que começou a perfurar terra abaixo em busca do ouro. Acontece que não sei se este tipo de espectro respira soterrado, mas o nosso amiguinho se transformou numa destemida máquina de escavação microscópica digna dos cartoons. Como se sabe, quanto mais fundo de uma raizada, mais ramificada e cheia de nutrientes ela se torna e, portanto, mais complexa e ao mesmo tempo cheia de “vida” a devemos considerar. O certo é que lá se foi o larva, mergulhando em sua jornada, ravinhando até o ponto mais longínquo da superfície. Parou, olhou para trás, voltou-se novamente para a o centro da mãe terra e num ato de simpless fé seguiu em frente, até dissolver seu corpo em completa profusão. E retirando rápido… rrrr: de larva virou lava, e só.
©Fixar pra quê?! Eliminando a raiz do problema dissolve-se na imensidão da tranquilidade. Que todos os seres possam se beneficiar.