Respiração Espiritual

Encho o peito de ar e solto, expelindo junto com o gás carbônico algumas esperanças de descobrir a essência na vida. Sim, nossa mente também respira. Quando recebemos qualquer forma de aprendizado, geralmente retornamos ao modus operanti de outrora. Esses vícios são objetos da memória, aspectos construídos pela mente no passado, que renascem sob a forma de movimentos, falas e pensamentos baseados na ignorância. Quando perdemos a cabeça, tudo fica menos. Tudo se torna obscuro, chato, penoso e temos vontade de detonar até o mais singelo comentário feito por um colega de trabalho. Como numa guerra, aqui travada num cenário silencioso, o que devemos fazer é manter o estado de alerta usando da estratégia da sabedoria para alcançar a vitória. Abro o livro de SS, o Dalai Lama e leio o que vem a seguir: “A dificuldade de uma interpretação puramente materialista da vida é que, somada ao fato de ignorar toda uma dimensão da mente, não lida de modo eficiente com os problemas dessa vida. Uma mente materialista é uma mente instável, pois sua felicidade é construída sobre circunstâncias transitórias, físicas. A doença mental é tão alta entre os ricos quanto entre os pobres, o que é um claro indicativo das limitações dessa abordagem. Embora seja essencial manter-se uma base material razoável para viver, a ênfase na vida deve ser cultivar as causas mentais e espirituais de felicidade. A mente humana é muito poderosa e nossas necessidades mundanas não são tão grandes que devam demandar toda a nossa atenção, especialmente à luz do fato de que sucesso material resolve apenas uns poucos desafios e problemas enfrentados por homens e mulheres durante toda a vida, e não faz nada por eles na morte. Entretanto, ao se cultivar qualidades espirituais como harmonia mental, humildade, desapego, paciência, amor, compaixão, sabedoria e assim por diante, fica-se equipado com um vigor e inteligência capaz de lidar de modo eficiente com os problemas dessa vida; e, como a riqueza que se está amealhando é mental em vez de material, não terá que ser deixada para trás na morte. Não há necessidade de se entrar no estado pós-morte de mãos vazias.” Com a mente se abrindo, fecho o livro. Sinto novamente os ventos sutis preencherem o meu espírito. E recordo a frase do Buda lida páginas atrás: “Aquele que teme quando não há motivo para temer é um tolo. Aquele que não teme quando há motivo para temer é um tolo. Ambos saem do caminho.” É difícil se deparar com a própria tolice. Mais tolo que isso é aceitar a instabilidade mental. Nosso esforço para sair de estados mentais ilusórios deve ser igual ou superior ao nosso desejo de respirar após o parto. Lembre-se disso quando necessário!

©O livro citado tem o título “O Caminho para a Iluminação”, de SS, o Dalai Lama. Que todos os seres possam se beneficiar.

Doença, Envelhecimento e Morte

Quando o príncipe Siddartha saiu de seu palácio pela primeira vez, que fora construído como um verdadeiro paraíso por seu pai, ele viu três coisas que mudaram a sua vida. No meio do povo, conheceu a doença em corpos quase putrefatos, descobriu a velhice que aflora sem pestanejar e desvendou o destino daqueles nascem nessa vida: a morte. Hoje, após uma semana infernal promovida por uma pneumonia atípica, sinto-me ressurgir do mundo dos inválidos com o espírito renovado. O fardo, pela mente que o vive, enfraquece aquilo que mais prezamos. Não foi difícil perder o sentido de compaixão nas horas de dor, nem ignorar que milhares de pessoas morriam em Gaza naqueles mesmos instantes. O sofrimento é um apego do ego, que reduz a dor apenas ao que o “eu” sofre. Foi então que decidi, de coração aberto, mentalizar e orar por todos os seres que estivessem em condição igual ou pior que a minha. Não me importava o que sentia, nem as alucinações febris que me arrematavam de tempos em tempos. Milagrosamente, enquanto o fazia, a dor e as confusões se dissipavam aos ventos. Pude sentir, mesmo que por segundos, o alívio de outras mentes ao redor do planeta se tornando remédio para a minha alma. Não posso negar que a estupidez tenha sido a grande companheira do sofrer. Mas os lampejos de lucidez espiritual transformados em verdadeira compaixão extirparam de mim muito do medo de morrer. E sentado na sala, após dias de cama, finalmente assisti, ainda tossindo, ao “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago. Se a doença é o prenúncio da morte física, não enxergar é o mesmo para a morte espiritual. Estive enfermo, mas não cego. E apenas isso é suficiente para me trazer felicidade temporária e definitiva.

©Que todos os seres possam se libertar.

Encruzilhada

Natal é símbolo de nascimento e de sofrimento. A vida de Cristo, mas principalmente a sua morte, deveria trazer aos homens forças suficientes para nunca julgar ninguém. Mas sempre que nos vemos na encruzilhada entre optar por nós ou pelos outros, acabamos por fazê-lo a favor do “eu”. Seja na disputa medíocre de acreditar que o poder é algo verdadeiro, sólido ou permanente; seja pela mera opinião, na articulação do pensar, que vangloria-se da certeza míope de que a mente intelectual é o máximo que o ser humano possui. Vivemos passando por essas cruzadas, nas famílias, nas escolas, nos escritórios, nas amizades. A imagem da cruz não representa dois caminhos que se cruzam, mas o ponto em que se tornam uma coisa só. Será que podemos escolher outros tipos presentes nesse Natal? Boas festas!