Era um dia qualquer, desses que você nem percebe que está passando. Na sala de estar de um belo sobrado paulistano, amigos batiam um papo jocoso, depois de um excepcional almoço regado a vinho tinto de boa cepa. O assunto seguia na banalidade, talvez pela informalidade costumeira com que se encontravam nos finais de semana. Não era sempre assim, vez em outra surgia um tema filosófico na “parada” e logo todos se ajeitavam nas cadeiras, transpirando ares de intelectualidade. E foi num desses momentos que nasceu inesperadamente a reflexão do dia. Augusto, o bon vivant da turma, exclamou despretensiosamente uma frase usual, depois de espreguiçar os braços corplulentos e bocejar. “Puxa, mais um dia, gente… mais um dia…”. É interessante percebermos como as discussões eclodem de forma esporádica. Alguém levanta o pavio e logo tem outro que acende a primeira chama. E se o fogo pega, aí sim, todo mundo esquenta o assunto “labaredeando” idéias e opiniões inflamadas. “Taí, gostei dessa Augusto… mais um dia… e eu pergunto, o que é um Dia?”. “Heheh, muito boa… ou melhor, muito bom… aliás, bom dia! Porque essa foi pra acordar”. “Bom, (risos)… dia é um tempo que trasncorre, em alguma parte da terra, do momento em que o sol nasce até o instante que se deita, tendo uma duração aproximada de 12 horas”, exclamou o professor de geografia que sempre tinha dados precisos para as dúvidas do grupo. Era usual ter um “combatente” direto, o Astrólogo, que não demorou nem um milésimo de segundo para questionar… “Opa, opa… dia também é o tempo de vida, um decurso da existência, na qual somos influenciados por toda a energia cósmica. Portanto, dia também pode ser considerado um ato de realização… claro que tem uma contagem, porque essa ação dos astros varia a toda hora… mas, o fato é não podemos só pensar no movimento de rotação da Terra”. “Sim senhores…”, emendou o matemático de plantão, “…vocês estão chegando na questão. Reparem; seja na ciência, seja no misticismo, sempre haverá um cálculo possível de ser aplicado. Por quê?! Porque dia é igual a tempo, simples!”. “Não concordo, desculpe, você pode passar um dia inteiro no escritório; trabalhar, trabalhar e trabalhar, e só perder tempo. E aí, o cálculo vai por água abaixo. Dia é algo intagível, precisa ser vivido; experimentado para entrar na conta do tempo. Mas não é todo mundo que faz isso, né?”, aflorou o psicoterapeuta da casa. Havia tanto calor na conversa que eles nem se deram conta de um observador silencioso, bem ao alto. Um canarinho tinha se agarrado ao parapeito da janela principal e acompanhava com a cabeça ágil cada som disparado no ambiente. Entretanto, bastou que ninguém mais proferisse uma palavra para ele levantar vôo soltando um pio, chamando a atenção de Augusto… “Olha lá, gente, ficamos tão presos em descobrir o significado do dia, que ele se foi…”. Augusto até tentou apontar o dedo para o pássaro amarelo dourado, mas nos ouvidos de todos ficou a nítida sensação de que era o dia que fugia das mãos.
©Ao tentar definir, perdemos a definição mais precisa. O sentido de tudo isso não é acumular conhecimento. Não é provar o sabor da concordância. Não é colocar na ponta do lápis a soma do que se tem. Pessoas, coisas, situações, alegrias, tristezas e qualquer pensamento que você possa ter, vai, do mesmo jeito que vem. Quando não estamos atentos, não percebemos a sua existência, como o passarinho que pousou misteriosamente. Mas quando a mente está alerta, podemos apreciar a beleza do movimento, lento e sereno, da existência que nos rodeia. Se um dia passa sem essa percepção ele é em vão. Se ele acontece, você está feliz, agora, em todos os dias. Que todos os seres possam se beneficiar.